terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O menino que não sabia chorar.

Era uma vez um menino que nunca chorava. E tampouco precisava: tinha de tudo!
Morava em uma casa simples com seu pai, seu irmão mais velho e um adorado gato de estimação.
Todo dia, logo de manhã, o pai saía para trabalhar.
O irmaõ chegava um pouco depois da saída do pai, brincava com o menino e saía novamente, nunca se sabia para onde.
E quando os dois haviam ido embora, restava-lhe o gato para servir de companhia.
De tarde o menino ia para o colégio. Levava, em segredo, o gato dentro da mochila.
Não suportaria ficar sozinho.
E sentia que, naquela pobre escola, por mais cercado de gente que estivesse - e sempre estava - estava sempre sozinho. A não ser, é claro, pela presença do tal gato.
Quando a aula acabava, o menino ia direto para casa, voltar a ver seu pai e seu irmão.
Mas o pai nunca chegava antes de o sol ir embora.
Quase sempre o menino era recebido pelo irmãod, que lhe fazia companhia até o pai chegar.
O menino adorava o irmão Simplesmente não existia felicidade sem ele.
Quando o pai chegava, todos jantavam juntos. Em paz, enfim.
E logo depois do jantar, o menino ia para o seu quarto. Ele e o gato.
Os dois ouviam quietinhos a gritaria cotidiana entre o pai e o irmão.
Geralmente, o irmão batia a porta com força e o pai se jogava, exatasiado, num banquinho de madeira perto da janela.
O pai olhava o filho mais velho sumir noite adentro, e seu único consolo era saber que ele sempre voltava antes de o sol aparecer novamente.
O menino entendia tudo isso sem ninguém explicar. Há coisasa que simplesmente são.
E depois de um tempo, tornam-se até suportáveis.
Seu gato lhe ensinara isso - sem pronunciar palavra alguma.
Certo dia, o pai saiu e o irmão chegou - como de costume - ao nascer do sol.
E como de costume, o menino e seu gato foram à escola.
Ainda como de costume, ao voltar para casa o menino encontrou com o irmão.
O pai tardou a chegar e a fome apertou, então os dois jantaram sozinhos.
Não houve gritaria depois do jantar naquele dia, nem em nenhum outro dia a partir dali.
O menino nunca chorou por sentir falta do pai, mas sentia.
Sentia falta das broncas, dos abraços, dos olhares.
Sentia até vontade de chorar, mas não chorava.
Não sabia chorar e não sabia o porquê disso.
Tem gente que chora demais - pensava ele - aí não sobra choro pra mim.
E sua vida seguiu assim.
Ele e seu gato voltavam da escola e esperavam o irmão chegar.
Dia após dia, semana após semana, mês após mês.
Mas após alguns anos, o irmão não voltou mais.
Ninguém na pequena cidade sabia a razão ao certo, mas haviam rumores.
Cada um mais cruel que o outro.
O menino se trancou em casa por um tempo.
Não suportava ouvir os rumores. Lhe davam vontade de chorar.
Mas não chorou.
Trancou-se, pois, junto ao gato. Seu gato era seu porto, era sua paz.
Não havia, concluíra ele após algum tempo, razão para choro.
O menino teve força de homem. Destrancou-se de casa e voltou para à escola.
Vivia em meio a um torpor de um bege quase insuportável.
Mas enquanto aquele bege não fosse cinza, o menino ainda podia suportar.
Havia alguns anos que seu irmão desaparecera e o menino já fazia tudo automaticamente.
Um dia, esqueceu-se de levar o gato consigo da escola para casa.
Mas no dia seguinte, ao buscar o gato na escola, ele já não estava mais lá.
Nem em lugar nenhum, aparentemente.
O menino correu por toda a pequena cidade, passou pelas cidades vizinhas, distanciou-se de casa cada vez mais.
Correu de sol a sol, sem parar, em busca do gato.
Foi quando teve uma sensação inesperada: uma gota deslizava por seu rosto.
O menino apreciou aquele momento inédito em sua vida. Uma lágrima! - pensava.
Ficou tão feliz por enfim conseguir chorar que esqueceu-se até da tristeza.
Suas pernas já não mais lhe acompanhavam, e seu corpo deu a busca ao gato por vencida.
Deitou-se no chão árido que percorria e aproveitou aquele momento debaixo do escaldante sol dos trópicos.

9 comentários:

ㅤ ㅤ ㅤ     Ana Carolina Corrêa disse...

Amei,está perfeito,lindo de mais,quase chorei .. *-*

Babi Farias disse...

"Tem gente que chora demais - pensava ele - aí não sobra choro pra mim." Infelizmente,faço juz ao meu signo: canceriana chorona! A manteiga derretida da família. O oposto de seu personagem encantador e triste.

Feliz 2010, Luyu! Que a paz esteja contigo, o amor preencha seu coração, as amizades sejam sinceras e tudo prospere a caminho da felicidade! Foi um prazer imenso conhecê-la esse ano.
Que venha 2010 com mais poesias e alegrias...

Beijos, flor!
;*

Insights disse...

Que lindo e ao mesmo tempo triste. É duro saber e confirmar que as vezes nós realmente sentimos falta de algo,ou alguem quando perdemos, e que quando esta pessoa ou algo estavam aqui, conosco, nós simplesmente ignoravamos, ou deixavamos de lado, infelizmente é assim que funciona.Lagrima, um precioso sentimento que temos, pois com ele podemos fazer vaáarias coisas, podemos estar felizes, tristes, assustados, apaixonados, com raiva, ou simplesmnte com saudade. Adorei o teto, o blog, TUDO TUDO TUDO.

Um feliz natal pra você e toda a sua familia.

Insights disse...

to te seguino ;)

Liv disse...

Lindíssimo texto, adorei! *-*
E feliz 2010!

Beijos.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

TUDOO !!! Amei de coração. Orgulho de conhecer uma pessoa tão criativa como você.A Boneca de Porcelana é fragil mas a Boneca de Porcelana que se chama Luísa Zanni é forte e FODA. Musica da Pitty para você.

BEIJOS !!!

PS: Eu também gosto de ler. :D

Unknown disse...

Nossa muito lindo *---*
ai e tão sei la magico esse texto eu amei ><

Alessandra disse...

Muito bom, sério adorei, o blog, o texto, enfim... Tudo.
Anda ouvindo muita música francesa?
Beijão!