sábado, 10 de outubro de 2009

Hora marcada

Tudo começou às 00h00min. Aquele número simétrico, redondo me fitava como se me mandasse ter sono. Logo a mim! Ter sono é para os fracos!
Mostrei a língua àquele relógio intrometido e me voltei ao caderno novamente.
Escrevi, escrevi, escrevi. Me deixei levar pelas palavras. Lá no último ponto final me permiti um olhar além janela: todas as luzes apagadas, todos os sons silenciados, nenhuma alma viva na rua.
Depois de muito resistir mirei outra vez o relógio, que me dizia, efusivo que eram 01h01min.
Humildemente admiti minha fraqueza e, dominada pelo sono, me encaminhei até a cama.
Lá chegando, fui recebida por uma atmosfera convidativa e confortável, onde tive dois ou três sonhos de que me lembre.
Sendo que, de tempos em tempos, uma vontade súbita de olhar o relógio me fazia despertar e constatar que eram, sucessivamente, 02h02min, 03h03min, 04h04min e 05h05min.
Ao ver piscando 06h06min no meu relógio, não tentei dormir até as 07h07min. Mesmo porque, estava quase na hora de acordar para o dia.
Até o colégio, me esqueci do relógio. Mas isso somente até dado instante. Mais especificamente até as 08h08min.
E assim foi, irritantemente seqüencial, passando por 09h09min, 10h10min, 11h11min e assim por diante.
Às 15h15min já não agüentava mais. Decidi que não ia nunca mais ver as horas pelo resto da minha vida.
Mas não pude resistir: às 16h16min simplesmente meu braço tomou vontade própria e me fez olhar o relógio novamente, quebrando minha promessa.
Foi então que gritei, e no meio da rua, todos os passantes me fitavam, aflitos.
Então o céu escureceu, e juntei meu medo ao dos passantes.
Enquanto as nuvens cobriram o sol, permaneceu uma expressão aterrorizada nos rostos de todos no mundo, e seus corpos não se mexiam.
Eram como estátuas esculpidas por alguém de muito mau gosto: a agonia se via nos olhos, nas marcas de expressão, na imobilidade daquelas pessoas.
E às 17h17min, por ironia ou destino, olhei incrédula para o relógio.
E aí então, de repente, o céu se abriu.
Mas a agonia dos olhos e das marcas de expressão não foi embora.
Tampouco elas voltaram a se mover.
Era desesperador.
E assim – desesperador – tem sido até hoje.
Naquele dia constatei que sempre estive sozinha.
Desde então tenho vagado pelo mundo onde o tempo parou para todos exceto para mim, e minha única distração – ou castigo? – é olhar o relógio e notar sempre a infeliz coincidência entre hora e minuto.
O tempo parou e ninguém se deu conta. Quando é que alguém vai sair do gelo e vir me salvar?


6 comentários:

Babi Farias disse...

Não se preocupe, moça, quanto ao projeto, pois também estou numa correria só.

Sombrio esse texto; e quem irá salvá-la? ;X
;*

Ana Carolina disse...

aaaaaaaaaaamei o texto

Liv disse...

Uau, seu texto ficou bem interessante. Gostei muito. :D
Beijos.

Gabriela Marques de Omena disse...

Tambem tenho esse certo vicio de olhar as horas! KKKK tenho ate listinha de significados, acredita? rs

wanted disse...

né. sair do gelo é o que há.

Elisa Mucida disse...

Que texto Lu. Super enigmático, misterioso, encantador. Sério, me encantou e a cada linha eu queria ler mais e mais.

Você escreve super bem, o texto nos prende e muito. Beeeijos