Nublado.

Era um dia comum. Não muito quente nem muito frio. Via-se além da janela da sala de aula uma nuvem carregada de chuva ansiosa para cair. Foi só um dia a mais, como hoje, como amanhã.
Um dia daqueles que só existem para dizer que o ano tem 365 dias, e não 364. Não foi feita nenhuma grande descoberta sobre a vida em Marte ou a cura para uma doença que vem se alastrando. Aquele dia deu sentido à palavra “rotina”.
Mas foi o dia em que ele se aproximou de Sarah e disse, em meio ao dever de biologia:
- Seus olhos são lindos.
Assim, sem nenhum contexto. Sem fim nem começo, sem cabeça nem pé.
A menina riu, envergonhada e, num gesto maquinal expulsou o cabelo do rosto e o pôs atrás da orelha.
- Aliás, seus olhos não: você é linda. – Ele continuou. E parou logo depois.
A menina agradeceu de forma inaudível e sentiu que começava a corar.
- Não, é sério. O contraste do seu cabelo com os seus olhos... É muito bonito. Mesmo. – E foi embora, conversar com um grupinho que o chamava ali perto.
E a vida seguiu como havia de ser: nada mudou na vida de ninguém. Nem na dela, nem na dele, nem na das pessoas que estavam em volta, nem na do grupinho com quem ele conversava.
Mas Sarah pensou por um bom tempo na conversa que se passara instantes atrás. E de pensamento em pensamento acabou por não chegar à conclusão nenhuma e voltou a fazer seu dever de biologia.
E quando Sarah já quase se esquecia do diálogo pensou sentir um pingo cair sobre sua testa. A menina olhou para a janela e num piscar de olhos começou a chover. Ouviu algumas pessoas da sala reclamando e concordou em silêncio. É de fato inconveniente uma chuva num dia tão comum, que nem triste era.
Mas alguns piscar de olhos depois a chuva já havia passado, ninguém nem lembrava mais da tarefa de biologia, ninguém lembrava mais do incômodo em que a chuva ameaçara se tornar.
Cada um foi pro seu lado, e Sarah não conseguia parar de pensar no comentário dele.
Mas por quê? Que sentido teve aquilo, afinal?