quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Anjo da morte.

Vou lhes contar uma triste história. Triste história com triste final.
De tempos em tempos me mandavam à Terra para que eu desse fim a certas vidas.
Quem me mandava era a própria Morte, pois confiava na minha capacidade e já era velha demais para fazer o trabalho sujo.
Eu era jovem na época, e estava entusiasmada.
Era o trabalho maior que já havia caído em minhas mãos.
Eu tinha que dar cabo de um magnata, um velho rico e sozinho.
E dependendo de como me saísse, receberia minha tão sonhada promoção.
Matar o velho foi simples. Jovem que eu era, apareci irresistível frente a ele e o seduzi com meias-verdades.
Isso era banal. Aprendi algo importante com meu tempo de trabalho: quanto mais dinheiro e quanto menos pessoas um velho convive, mais suscetível é seu ego a elogios.
Casamos-nos em dois meses. Na noite de núpcias tratei de por uma discreta quantidade de morfina na refeição que a cozinheira levou horas preparando.
Desde o velório do velho, fiz-me de viúva recatada e permiti a aproximação de um homem que insistia em dizer que era um grande admirador do meu falecido marido.
Pois, com o tempo percebi que esse tal amigo cheio de compaixão estava atrás de um casamento de fachada que pudesse esconder uma obviedade: ele era gay.
Lembro-me bem do jeito cuidadoso em que ele me propôs o casamento e me contou sobre sua opção. Ah, como se fosse necessário alguém dizer.
Um dia antes do meu segundo casamento, fui acometida por uma súbita vontade de matar meu noivo, e o fiz. Nenhum familiar foi velar sua morte.
Voltei para a casa da Morte e ela me disse que não matasse mais pessoas ao léu. Ou que ao menos a avisasse primeiro. O inferno estava cheio de gente sem saber onde estava e para onde ir.
Ao voltar à Terra, vi um menino. Uma criança que começava a ser adulto. Ele saiu a gritar por todas as ruas: “Eu vi a cara da morte! Eu vi! E ela está viva! Quer matar a todos nós!”.
As crianças sabem de tudo, tomei como lição. Não podia permitir que todos soubessem quem eu era. Não tive outra escolha senão arrastá-lo para um beco ermo e fazê-lo calar-se.
Não voltei à casa da Morte, ela tampouco me recriminou. Deve haver entendido que a morte do menino fez-se necessária.
Bom, minha rotina era essa, a partir de então. Discretamente seduzia minhas vítimas e as levava aonde bem quisesse para o ataque. Como um vampiro. E nada da minha promoção chegar.
Estava bem perdida na cidade grande, o barulho das buzinas me atordoava.
Fui parar num lugar de luzes fracas e música alta e inaudível ao mesmo tempo, de alguma forma.
E uma puta do lugar me encantou de tal maneira que não lhes saberia descrever.
Passamos a noite juntas, entre garrafas de um vinho barato e conversas sobre vida e morte.
Ela me falava sobre o amor, e demorei a entender do que se tratava.
Tive raiva do poder que esse sentimento mundano tinha. Era um poder que eu não tinha. Que a Morte não tinha. Como reles mortais poderiam merecer tal dádiva?
Tive raiva daquela puta. Matei-a num impulso, assim como fiz com meu falecido segundo noivo – que a Morte o tenha, amém.
Saí do lugar com gosto de vinho barato na boca, e pensando sobre vida e morte. Pensando sobre como matar tinha se tornado um passatempo. Era divertido, entende?
O ser humano tem tanta crença em si mesmo e se vê importante de tal maneira que não espera ser passado para trás por alguém em quem confiou.
A Morte me chamou de volta à sua casa, e me falou sobre a puta com desprezo.
Expulsou-me de seu covil e com a expulsão se foram todas as minhas chances de vir a ser a Morte um dia. O que seria da minha vida agora? Voltei à Terra desolada.
Tropecei numa pedra e ao erguer a cabeça novamente, me deparei com a visão mais bela que presenciei em toda minha existência. Era um homem. Um desses humanos, sabe?
Cujo rosto com traços duros e um sorriso de canto da boca me encantavam mais que o vinho barato, que as luzes fracas, que a puta.
Sem pudor nenhum tentei seduzi-lo. Mas sem intuito de matá-lo.
Mas ele não correspondeu às minhas expectativas, ao contrário das outras vítimas.
Falou-me sobre seu amor por tal pessoa. Eu não era essa pessoa. Eu não era o alvo desse tal amor.
Tive raiva dele e de seu amor também. E tive vontade de matá-lo.
Mas compreendi que não suportaria conviver com a culpa de tê-lo matado.
E então, em seus braços, como cena final de um drama, morri quatro vezes. Uma pelo magnata, uma pelo noivo gay, uma pelo menino e uma pela puta.
E comigo nos braços, o tal homem chorou.
Chorou como nunca um homem se permitiu chorar em todo o mundo.
Chorou porque viu, em seus braços, a morte morrer por amor.

17 comentários:

SZÉCHY disse...

eu gosto do texto todo, mas a ultima frase... cara, é a melhor.
parabens, lu. a morte parece de maneira legal ai :)
beijo

Thatiix disse...

AAAAAAAALELUIA SENHOR !

Tá foda, e é fato que nao foi você que escreveu, mas eu continuo pagando mó pau pra tu :D

beiijos gatinha

Jesus disse...

Como prometido...
Meu lado mórbido adorou o texto xD, quando crescer vou ser uma magnata também, mas vou tomar cuidado para não ser sozinho...mas sério adorei o texto^^
beijo.
ps. acho que você não sabe mas meus comentário não são tão relacionados aos textos^^

Mariana disse...

Nossa, iradoooooo. Mórbido, sombrio e instigante!
http://soentreblogueiras.blogspot.com

Liv disse...

Muuito interessante esse texto. Eu adorei!
Beijos.

Thatiix disse...

/\ iaaaaaaaaaaaaaaaaah, rendeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeu =XXX

Somebody disse...

maravilhoso, Luísa. e muito bonitinho ): poxa D: se mate.
Mas enfim. cê escreve muito, porra. vai se foder, caralho ._.
sua foda.
é, é a Jana 8D notou pela delicadeza, uh? @_@
Te amo (L)

Babi Farias disse...

Nossa... Inspiração, hein?!
O final então: "a morte morrer por amor."
Escreveu perfeitamente, e sinceramente, seu melhor texto!

;*

Rebeca disse...

MARAVILHOSO!
beijos catzinha!

Bárbara Széchy disse...

"ps. acho que você não sabe mas meus comentário não são tão relacionados aos textos^^"

FATO.

Anônimo disse...

Nossa, eu fiquei tão mexida com essa história. Com certeza, uma das melhores que já li em toda a minha vida! O final ficou muito perfeito, poético, romantico, trágico. É bom ver que a morte não é tão invensivel.
Não me contive e postei-o no twitter com o link para o blog.
Ameei, de verdade.

beeijos!

beatriz albarez disse...

Parabeens Lu, achei demaiis *-*

Unknown disse...

Oi Luísa, eu também sou Luísa e com S! Acessei seu blog através do Bee Writer e vi que você se esforça pra manter o site suber bonito e bombando, né?

Seguinte estou divulgando um Festival de cinema de filmes de um minuto feitos pela galera de até 14 anos. Já entrei em contato com vários blogueiros e estou agora entrando em contato com você pra ver se tem interesse em divulgar no seu blog ou até participar, ok?

Aí vai meu MSN: luisa.minuteen@hotmail.com
O site do evento: http://www.tilibra.com.br/minuteen/

wanted disse...

nossa, tive inveja de ti, agora. juro. hahaha. muito bom mesmo! parabéns.


(viu,eu li!)

Anônimo disse...

Heey floor, hiper obrigada pelo coment no bloog... Tem post novo por lá...
Vou ficar esperando um por aqui! =D

Beeijos!

Sabrina Montovanelli disse...

Nossa achei o texto super profundo e o blog todo é muito fofo e criativo! Parabéns!

Unknown disse...

Luísaa, ADOREI o texto!
Parabéns!
Dava pra você fazer uns livros.. tipo Stephanie Meyer, sabe?
Ia ficar demais.

ps: Como faço para ver os outros ?


Beijos